Os investimentos realizados desde 1985 pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) no campo da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico na área de Bancos de Leite Humano, permitiram que o Brasil desenvolvesse um modelo baseado em uma tecnologia alternativa e moderada, de baixo custo, mas que garante um padrão de qualidade reconhecido internacionalmente e referendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A ação coordenada, a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico são elementos importantes que servem de apoio à rede brasileira, tornando compatível a manutenção de um alto rigor técnico com baixo custo operacional, de modo a responder adequadamente às diferentes demandas geradas pela sociedade.
Os resultados alcançados pela rBLH-BR passaram a evidenciar o impacto positivo de suas ações para a saúde infantil no Brasil e a despertar o interesse de organismos internacionais que atuam em saúde. A OMS considerou que esta foi uma das iniciativas que mais contribuiu para a redução da morbimortalidade infantil na década de 90 em todo o mundo e conferiu à Rede Brasileira, o Prêmio Sasakawa de Saúde, durante a 54ª Assembleia Mundial da Saúde realizada em 2001. Esse reconhecimento internacional ampliou a visibilidade do trabalho e deu início a um ciclo de demandas de cooperação técnica internacional.
Em 2003, a Organização Pan-americana da Saúde (OPS) promoveu as primeiras ações de cooperação com os países da América Latina para implantação e desenvolvimento de BLH, de modo a contribuir para a promoção da saúde nas Américas.
Em maio de 2005, a rBLH-BR realizou em Brasília o IV Congresso Brasileiro de BLH, II Congresso Internacional de BLH e Fórum Latino-americano de BLH, reunindo 2.500 profissionais de 11 países e organismos internacionais. Durante o Fórum, um grupo de trabalho formado por técnicos dos Ministérios da Saúde da Argentina, Bolívia, Brasil, Colômbia, Costa Rica, Cuba, Equador, Guatemala, Paraguai, Uruguai e Venezuela, pela OPS, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), pela World Alliance for Breastfeeding Action (WABA) e pela Rede Internacional em Defesa do Direito de Amamentar (IBFAN), elaborou um documento denominado Carta de Brasília. Nesse documento foram definidos compromissos e diretrizes para internacionalização da ação Banco de Leite Humano visando construir a Rede de Bancos de Leite Humano na América Latina.
A partir da Carta de Brasília 2005 teve início um processo de articulação interinstitucional entre o Ministério das Relações Exteriores (Agência Brasileira de Cooperação – ABC), o Ministério da Saúde (Assessoria de Assuntos Internacionais em Saúde – AISA e Área Técnica da Saúde da Criança e Aleitamento Materno) e a Fiocruz (Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira – IFF e Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde), que permitiu levar a experiência brasileira para outros países, por meio de projetos de cooperação técnica bilateral. A partir de então, a Agência Brasileira de Cooperação incluiu, por demanda dos países, o tema BLH na agenda de cooperação internacional e assim, a estratégia BLH transcendeu o âmbito técnico da saúde para um caráter político internacional relevante.
A proposta de criação da Rede Latino-americana de Bancos de Leite Humano, formulada em 2005, configurou-se como uma ação estratégica para enfrentar os altos índices de mortalidade e morbidade infantil da região, agravado pelo panorama global de aumento de nascimentos de risco. Um estudo da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal) projetou para o período de 2005 a 2020, um incremento populacional de 19,4%, com 11.603.000 nascimentos nesse período. Situação ainda agravada pela preocupante tendência de aumento dos partos prematuros e os riscos a estes associados, elevando os índices de mortalidade neonatal. A título de exemplo, vale destacar resultados apresentados por uma pesquisa realizada entre 1982 e 2004 na cidade de Pelotas, no estado do Rio Grande do Sul, na qual consta que a frequência de parto prematuro aumentou de 6,3% para 15,3% no período.
Diante dos resultados alcançados com os projetos de cooperação bilateral e sobretudo dos efeitos positivos produzidos no cenário da saúde pública latino-americana, a ABC iniciou um ciclo de debates sobre a importância de se instituir um fórum de cooperação multilateral em BLH na região. Como resultado das discussões e de mais uma ação integrada ABC-Fiocruz, foi elaborado o documento de formulação do Programa Ibero-americano de Bancos de Leite Humano (IberBLH), submetido pelo Brasil à Secretaria-Geral Ibero-americana (Segib) e aprovado na XVII Cúpula Ibero-Americana de Chefes de Estado e de Governo, realizada em Santiago do Chile, no mês de novembro de 2007. Para sua execução e coordenação foi instalada a Secretaria Executiva do Programa na Fiocruz/ICICT-IFF. O IberBLH, programa de cooperação multilateral na região da Ibero América, é voltado para a redução das condições adversas de saúde dos grupos populacionais estratégicos e em situações especiais de agravo, particularmente para crianças prematuras e/ou de baixo peso ao nascer. Para tanto, assume a missão de ampliar o intercâmbio do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico no campo do aleitamento materno e dos Bancos de Leite Humano.
Em dezembro de 2009, durante a 2ª Exposição Global de Desenvolvimento Sul-Sul (GSSD Expo) e a comemoração do 6º Dia Anual das Nações Unidas para a Cooperação Sul-Sul, em Washington, D.C.; a iniciativa BLH foi reconhecida pela OPS/OMS e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) como uma das iniciativas que mais contribuíram para o desenvolvimento humano no Hemisfério Sul, fornecendo soluções práticas que podem ser reproduzidas, expandidas ou adaptadas por outros países.
Em 2010, foi realizado o I Fórum de Cooperação Internacional em Bancos de Leite Humano, que além de realizar uma avaliação da cooperação no período de 2005 a 2009, pactuou a Carta de Brasília 2010 que instituiu a Rede Latino-ibero-afro-americana de Bancos de Leite Humano. Esse Documento também definiu o alinhamento em função dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, e a Rede passou a atuar fundamentalmente focada no Objetivo de Desenvolvimento do Milênio 4 – redução da mortalidade infantil.
Ainda em 2010, o documento final da XX Cúpula Ibero--americana de Chefes de Estado e de Governo faz a seguinte alusão ao IberBLH:
Reconhecer o trabalho realizado pelo Programa Ibero--americano de Bancos de Leite Humano a favor das mães e dos recém-nascidos prematuros. Valorizar a Carta de Brasília, assinada no Congresso de Bancos de Leite Humano, celebrado entre 27 e 30 de Setembro de 2010, nessa cidade e cujos objetivos apontam para a extensão e sustentabilidade dos Bancos de Leite Humano.
A Cooperação em Bancos de Leite Humano desenvolvida pela Fiocruz na região da Ibero-América foi escolhida pela OPS como um “caso” a ser estudado pelo Grupo de Tarefa de Cooperação Sul-Sul da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OECD). Como resultado da pesquisa foi produzido o documento “Um modelo de cooperação horizontal: A Rede Ibero-americana de BLH”, que fez parte dos Estudos de Caso que foram apresentados no IV Fórum de Alto Nível sobre a Eficácia da Ajuda celebrado em Busan, Coreia do Sul, no mês de novembro de 2011.
Os meios de comunicação destinados ao setor saúde têm destacado o papel dos Bancos de Leite Humano em favor da saúde materno-infantil. A título de exemplo, a Revista The Lancet, na edição de maio de 2011, observa que os BLH, em conjunto com outras iniciativas, colaboraram para que a duração do aleitamento materno no Brasil tenha aumentado consideravelmente nas últimas três décadas, com o consequente impacto na redução da mortalidade infantil e na melhoria da situação nutricional infantil.
Em setembro de 2015, concomitantemente à reunião de Chefes de Estado das Nações Unidas, que lançou a Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, foi organizado o II Fórum de Cooperação Internacional em Banco de Leite Humano - ABC - Fiocruz - Ministério da Saúde do Brasil com o objetivo de realizar uma avaliação dos resultados alcançados e o realinhamento ao novo contexto internacional. Representantes de 20 países, Organizações Internacionais e Organizações Não-Governamentais estabeleceram um conjunto de diretrizes que foram pactuadas na Carta de Brasília 2015.
O Documento, além de reafirmar os compromissos definidos nas Cartas de Brasília 2005 e 2010, foi formulado com a perspectiva de alinhar os trabalhos da Rede com foco no ODS 3 - Assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todos, em todas as idades e no ODS 17 - Fortalecer os meios de implementação e revitalizar a parceria global para o desenvolvimento sustentável. Desde então, foi instituída a Rede Global de Bancos de Leite Humano que se constitui atualmente em uma associação global para responder às demandas da Agenda 2030 do setor saúde, em seu âmbito de atuação.
Para melhor retratar a importância da cooperação técnica internacional em Bancos de Leite Humano praticada pela Fiocruz--ABC, vale observar o total de países cooperantes: Argentina, Angola, Belize, Bolívia, Cabo Verde, Colômbia, Costa Rica, Cuba, El Salvador, Equador, Espanha, Guatemala, Haiti, Honduras, México, Moçambique, Nicarágua, Panamá, Peru, Paraguai, República Dominicana, Uruguai e Venezuela.
Fonte: ALMEIDA, et al. Cooperação Técnica Internacional em Bancos de Leite Humano - Fiocruz/ABC: uma boa prática de cooperação internacional? In: 30 anos da Agência Brasileira de Cooperação: visões da cooperação técnica internacional brasileira. João Almino e Sérgio Eduardo Moreira Lima (Org). ABC/Ministério das Relações Exteriores. Brasília: FUNAG, p255-281, 2017.