Em termos gerais, os microrganismos que compõem a microbiota do leite humano ordenhado podem ser classificados quanto à origem ou à patogenicidade. São considerados contaminantes primários aqueles que passam diretamente da corrente sangüínea para o leite, como no caso do HIV; e secundários os que habitam as regiões mais externas dos canais mamilares e o meio exterior. Independentemente de sua origem, os integrantes da microbiota primária e secundária podem ainda ser classificados como saprófitos ou patogênicos (ALMEIDA, 1999; BRASIL, 2001; BRASIL 2006).
O leite humano ordenhado destinado ao consumo de recém-nascidos, particularmente os internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTIs), não deve apresentar microrganismos em quantidade ou qualidade capazes de representar agravos à saúde. Dessa forma, é preciso que se disponha de procedimentos capazes de assegurar a qualidade sanitária do leite (SILVA, 2004). A pasteurização representa uma alternativa eficaz, há muito conhecida e praticada no campo da tecnologia de alimentos. Trata-se de um tratamento térmico aplicável ao leite humano, que adota como referência a inativação térmica do microrganismo mais termorresistente, a Coxiella burnetti.
Uma vez observado o binômio temperatura de inativação e tempo de exposição capaz de inativar esse microrganismo, pode-se assegurar que os demais patógenos também estarão termicamente inativados (BRASIL, 2001). O leite humano ordenhado cru coletado e aprovado pelo controle de qualidade deve ser pasteurizado a 62,5° C por 30 minutos após o tempo de pré-aquecimento. A pasteurização não visa à esterilização do leite, mas sim a uma letalidade que garanta a inativação de 100% dos microrganismos patogênicos passíveis de estar presentes, quer por contaminação primária ou secundária, além de 99,99% da microbiota saprófita ou normal (BRASIL, 2001).
O ambiente onde ocorre a pasteurização deve ser limpo e desinfetado imediatamente antes do início de cada turno, entre os procedimentos. O mesmo deverá ser feito ao término das atividades, conforme o estabelecido no capítulo “Processamento de Artigos e Superfícies”. É permitida a administração de LHOC (sem pasteurização) exclusivamente da mãe para o próprio filho, quando:
a) coletado em ambiente próprio para este fim;
b) com ordenha conduzida sob supervisão;
c) para consumo em no máximo 12 horas, desde que mantida a temperatura máxima de 5º C (BRASIL, 2006).
Elaboração da curva de penetração de calor (FIOCRUZ, 2003) |
Técnica de pasteurização |
1. Regular o banho-maria à temperatura de operação (suficiente para atingir 62,5ºC no ponto frio) e esperar que o mesmo se estabilize.
2. O equipamento é considerado estável e pronto para entrar em operação quando a luz-piloto acender e apagar três vezes consecutivas, e a temperatura de operação se mantiver estável.
3. Carregar o banho-maria com os frascos contendo o leite a ser pasteurizado.
4. Utilizar sempre embalagens padronizadas.
5. O nível de leite no interior da embalagem deve ficar abaixo do nível da água do banho-maria.
6. Em função do desprendimento de ar dissolvido no leite humano durante o processo de aquecimento, recomenda-se que o rosqueamento das tampas esteja com folga de ¼ de volta (embalagem semifechada).
7. Iniciar a marcação do tempo de letalidade térmica (30 minutos) a partir do momento em que a temperatura do leite humano atingir a marca de 62,5ºC (tempo de pré-aquecimento).
8. O tempo de processamento dependerá do tipo, do volume e do número de frascos utilizados durante a pasteurização.
9. Caso o banho-maria não disponha de agitador automático, o funcionário responsável pela pasteurização deverá agitar manualmente cada frasco de cinco em cinco minutos, sem retirá-lo do banho-maria.
10. Transcorridos os 30 minutos relativos à letalidade térmica, promover o resfriamento dos frascos até que o leite humano atinja uma temperatura igual ou inferior a 5ºC.
11. O resfriamento dos frascos pode ser obtido com o uso de resfriadores automáticos ou pela imersão dos recipientes em um banho contendo água e gelo (SILVA, 2004).
Monitoramento do processo |
• A pasteurização do leite humano deverá ser monitorada a cada cinco minutos, com registro da temperatura em planilha específica (Planilha 4) no momento da averiguação.
• Não se permite oscilação da temperatura superior a 0,1ºC (SILVA, 2004).
Aferição do equipamento |
O equipamento deverá ser aferido após a realização de 30 ciclos de pasteurização, repetindo-se as curvas de penetração de calor.
Formulário para controle de temperatura do ciclo |
Referências bibliográficas |
ALMEIDA, J. A. G. Qualidade do leite humano coletado e processado em bancos de leite. Dissertação (Mestrado em Microbiologia de Alimentos) – Faculdade de Engenharia de Alimentos, Universidade Federal de Viçosa, Viçosa, 1986.
______. Amamentação: um híbrido natureza-cultura. Rio de Janeiro: Fiocruz, 1999.
______.; NOVAK, F. R.; SANDOVAL, M. H. Recomendaciones técnicas para los bancos de leche humana II: control de calidad. Archivos Venezolanos de Puericultura y Pediatría, Caracas, v. 61, n.1, p.12-15, enero/marzo, 1998.
BRASIL. Ministério da Saúde. Recomendações técnicas para o funcionamento de bancos de leite humano. 4. ed. Brasília, 2001. 48 p. (Série A. Normas e Manuais Técnicos, n. 117).
______. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 171, de 4 de setembro de 2006. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Funcionamento de Bancos de Leite Humano. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 set. 2006.
FATORES de defesa do leite humano: ecologia microbiana (filme-vídeo). Produção de João Aprígio Guerra de Almeida. Rio de Janeiro: Núcleo de Vídeo do Centro de Informação Científica e Tecnológica (CICT) da Fundação Oswaldo Cruz, 1992. 1 videocas - sete (34 min.), VHS, son., color.
FIOCRUZ (FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ). Programa Nacional de Qualidade em Bancos de Leite Humano. Rio de Janeiro, 2003.
SILVA, V. G. Normas técnicas para banco de leite humano: uma proposta para subsidiar a construção para Boas Práticas. Tese (Doutorado em Saúde da Mulher e da Criança) – Instituto Fernandes Figueira/Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2004.
STUMBO, C. R. Thermobacteriology in food processing. Amherst: University of Massachusetts, 1973.
Autor: João Aprígio Guerra de Almeida
Fonte: Manual "Banco de Leite Humano: Funcionamento, Prevenção e Controle de Riscos"