Mulheres que já receberam imunização completa contra Covid-19 buscam bancos de doação para ajudar outros bebês

Publicado em 26/07/2021 07h:57min.

Pesquisas indicam que anticorpos para Covid-19 podem passar por meio da amamentação, mas ainda há dúvidas sobre processo de pasteurização

As mães que doam ao banco de leite humano do Instituto Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), no Rio, têm adicionado uma informação ao questionário de praxe da instituição. “Já vacinei”, muitas fazem questão de contar. Imunizada para a Covid-19 mês passado, Rafaelle Ribeiro, de 35 anos, mãe do menino Alàdé, de 5 meses, diz que a vacina virou mais uma motivação para a doação.

— O leite oferece proteção imunológica. E a esperança de que ainda contém os anticorpos adquiridos pela vacina é mais um estímulo para doar — conta Rafaelle, mãe também de duas meninas.

Com a inclusão de lactantes em grupos prioritários de vacinação contra a Covid e o avanço da imunização por idades, as doações que chegam hoje a bancos de leite do país vêm, em grande parte, de mulheres já vacinadas. Muitas delas, imunizadas primeiro como profissionais de saúde, já receberam as duas doses.

A enfermeira Laís Munhoz, de 32 anos, fez questão de doar leite após ser vacinada, em fevereiro. Funcionária da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo, ela viu de perto a diferença do leite materno no desenvolvimento da filha, que nasceu prematura.

— Há um propósito pessoal na doação, pois sei o quanto o leite foi importante para a minha bebê. E ainda tem a questão da vacina. É muito forte pensar que além de todos os benefícios do leite materno eu possa ainda passar anticorpos aos bebês que chegam agora — afirma.

Estudos científicos
Estudos no Brasil e no exterior indicam que anticorpos para Covid — e não para o vírus Sars-CoV-2 — passam para o leite materno. Em abril, pesquisa feita em Israel identificou anticorpos no leite produzido por mães que receberam a vacina da Pfizer. Em junho, um estudo da Universidade de São Paulo (USP) indicou a presença de anticorpos no leite de colaboradoras lactantes do Hospital das Clínicas que foram imunizadas com a CoronaVac.

— Já vimos que anticorpos da mãe Covid positiva chegam ao leite, assim como os da mãe vacinada. Mas ainda não sabemos se os anticorpos permanecem íntegros no leite doado, que passa por uma pasteurização. Para isso ainda são necessárias outras pesquisas — ressalta Rosângela Gomes dos Santos, vice-presidente do Departamento Científico de Aleitamento Materno da Sociedade de Pediatria de São Paulo. — De todo modo, só o benefício da doação já faz uma grande diferença para bebês prematuros, e é fundamental para a sobrevivência dessas crianças. Cerca de 100 ml de leite materno doado podem alimentar até dez prematuros.

O processo de aquecer e depois resfriar o leite, feito nos bancos de leite humano, busca livrar o leite doado de eventuais microrganismos nocivos ao recém-nascido que o receberá. Mesmo sem a comprovação de que os anticorpos permanecem ativos após essa pasteurização, as pesquisas com o chamado leite materno “cru” dão boas perspectivas e otimismo.

— Muitos estudos foram realizados através dos tempos com outros imunizantes que mostraram ser efetivos na proteção dos bebês alimentados ao seio de suas mães, como vacinas contra influenza, coqueluche e outros. Além disso, há sinalização de que o histórico de anticorpos da mulher é transmitido através do leite materno, protegendo contra diarreias, otites e outras infecções — acrescenta Danielle Aparecida da Silva, coordenadora do Banco de Leite Humano do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz).

Para manter os estoques na pandemia, a instituição montou uma rede para informar as mães sobre a segurança ao doar leite. Consultas de orientação sobre amamentação - outro grande papel dos bancos de leite - foram agendadas para evitar aglomeração, e muitas aconteceram por vídeo. Além disso, diz Danielle, a rotina de coleta domiciliar de doações e do controle de qualidade do leite seguiu a mesma.

Hoje, o volume de doações vive uma retomada. Segundo o Ministério da Saúde, existem 222 bancos de leite e 2.219 postos de coleta no Brasil. As doações até agora em 2021 somam 111.434 litros, quase metade dos 226.047 litros doados no ano passado. E, amparado na imunização para a Covid-19, o movimento de lactantes cresce.

Campanha de doação
— O que a Ciência tem mostrado é incentivo não só para continuarmos amamentando como para doarmos também — diz a mãe, terapeuta e oraculista Júlia Maia, uma das líderes nacionais do movimento Lactantes pela Vacina.

O grupo que mobiliza e pressiona pela vacinação prioritária de lactantes prepara uma convocação em massa de doação de leite materno.

— Ao menos 13 estados priorizam lactantes na vacinação. Um engajamento nacional pode ter um impacto muito positivo nos bancos de leite — anseia Júlia, que foi vacinada em maio.

Na Santa Casa de São Paulo, quando as doações externas caíram no início da pandemia, foram as doações de mães que tiveram seus bebês ali e uma parceria com o HCor que garantiram leite aos prematuros internados.

— O leite doado às crianças que não podem receber leite das suas mães reduz o risco de contrair infecções e o tempo na UTI. Garante mais saúde e que os bebês se desenvolvam da melhor forma possível. É o alimento mais completo que existe para os recém-nascidos — diz Maria Augusta Junqueira Alves, gestora médica do banco de leite humano da Santa Casa. — Se depois se comprovar que esse leite doado traz também anticorpos para a Covid, melhor ainda.

Fonte: O Globo