A mortalidade materno-infantil registou, nos últimos dois anos, uma redução em mais de 50 por cento na Maternidade Lucrécia Paim. Estes indicadores resultam de investimentos realizados pelo Governo e parceiros nacionais e internacionais. Fez-se a reabilitação dos edifícios, ampliação dos serviços e apostou-se num atendimento mais humanizado, para melhor assistência médica e medicamentosa às mulheres.
Fotografia: Contreiras Pipa | Edições Novembro
A angústia de ter o seu bebé numa das maiores maternidades públicas do país, a Lucrécia Paim, era permanente, à medida que se aproximava o fim da gestação. Nas sentadas familiares, no trabalho e, às vezes, nos dias de consultas, ouvia histórias sobre maus tratos que enfermeiras e médicos em serviço davam às parturientes. Narrações de mulheres que não tiveram a sorte de ser bem atendidas naquela unidade hospitalar. Teresa Sebastião, 22 anos, insegura por causa destes relatos, pensou em trocar de maternidade, embora durante toda a gestação estivesse a fazer as consultadas naquela instituição.
"Ser acompanhada durante a gravidez é uma coisa, dar a luz é outra", manifestou a jovem estudante universitária, que chegou a preparar 50 mil Kwanzas, sendo 20 mil para pagar uma enfermeira, para que lhe desse maior atenção, e 30 mil para o material hospitalar (soros, seringas, agulhas, luvas, gases, etc.)
As insónias eram quase rotineiras - traço que caracteriza todo o final de uma gravidez, pois a ânsia de dar a luz e o desconforto do tamanho da barriga tiram o sono a qualquer gestante. Na madrugada do dia 6 do mês passado, as dores de parto chegaram. Era necessário procurar uma maternidade. A aflição e a dor não deram azo a vacilações. Vamos à Lucrécia Paim e ponto! Chegou ao Banco de Urgência e minutos depois era atendida na sala de triagem, para efectuar o toque, foco, pulsação, medição de pressão e etc. Já estava em trabalho de parto. Na sala, as parteiras mergulham no seu ofício para consumar o parto. Nasceu um rapaz com 2 quilos e 100 gramas, de seu nome Israel Gabriel.
Depois foi encaminhada para a sala de observação. Cada paciente estava acomodada numa cama. Tudo organizado e enfermeiras preocupadas com pacientes. Quartos limpos, água canalizada, casas de banho bem higienizadas. Foi assim que Teresa Sebastião descreveu ao sair da maternidade, no dia 7 de Fevereiro. Sorridente, a mulher e mãe de primeira viagem revela que as condições da maternidade Lucrécia Paim são boas.
"O hospital oferece hoje mais segurança para um parto tranquilo. Em termos de infra-estruturas, as condições melhoraram muito, pois nos quartos já não se vê duas mulheres a ocuparem a mesma cama. Os serviços estão mais humanizados", considera.
A mãe de Teresa, que sempre esteve por perto durante esse processo, mas não se quis identificar, confirmou as mudanças que se operaram na maternidade.
"Eu estava com muito receio de a minha filha dar a luz aqui, nesta maternidade, porque já estive aqui várias vezes e o tratamento não era bom, as condições eram péssimas", rematou.
A doméstica, Felícia de Carvalho (nome fictício), 33 anos e mãe de cinco filhos, reconhece igualmente melhorias na infra-estrutura da maternidade Lucrécia Paim, na acomodação e no acesso aos medicamentos. Mas, referiu que o atendimento ainda deixa "muito a desejar". Conta que o seu bebé nasceu no dia 19 de Dezembro de 2019 e que o grupo de enfermeiras escalado naquele dia era impaciente.
"O atendimento não foi bom, porque me disseram coisas feias. Mas avisei à equipa médica e elas foram chamadas à razão", disse.
A directora-geral da maternidade Lucrécia Paim, Manuela Mendes, reconhece que existem casos pontuais de enfermeiras que se excedem no atendimento, mas considerou serem muito raros, hoje. Revela que a instituição tem estado a trabalhar para um atendimento mais humanizado.
"Noventa e nove por cento das actuais queixas já não estão relacionadas com o atendimento, nem com as condições dos hospitais, mas sim com o tempo de espera", disse.
O hospital instalou em cada um dos sete andares urnas ou Guiché do Utente, onde são feitas reclamações por escrito, sobre o comportamento inadequado de funcionários da instituição, desde os porteiros até aos membros da direcção. Afirmou que a ideia é garantir um atendimento humanizado e especializado à mulher e ao recém-nascido, por meio de serviços preventivos e curativos, feito por equipas de profissionais capazes de proporcionar segurança e confiança.
Com uma estrutura totalmente remodelada, serviço de urgência, laboratórios e oito blocos operatórios bem equipados, a Maternidade Lucrécia Paim tem uma capacidade para realizar 40 partos por dia (normais e cesarianas). Mas efectua o dobro daquilo que é recomendado. A média diária é de cerca de 100 partos, dos quais 30 são cesarianas, acima do que é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
" Isso é inconcebível! Uma enfermeira no seu turno pode realizar 10 a 15 partos por dia," exclama a directora-geral. Acrescenta que o acompanhamento de um parto tem de observar alguns procedimentos, nomeadamente: ouvir a frequência fetal, de meia em meia hora, ver o número de contracções das parturientes, de meia em meia hora, medir a pressão arterial da paciente, medir o pulso, de hora em hora, toque vaginal, para ver se a paciente esta progredir bem, de duas em duas horas. Para a realidade angolana, acentua, cada enfermeira poderia realizar no mínimo três/quatro partos.
Pelos afazeres que têm as mulheres que trabalham na Lucrécia Paim, Manuela Mendes considera-as “verdadeiras heroínas. Por isso, elas têm de ser acarinhadas", rematou.
Obstetra e professora universitária, a directora-geral defende a construção de mais maternidades nas periferias de Luanda e no país. Também diz ser necessário o recrutamento de mais médicos e enfermeiros.
"Temos de arranjar mais locais com blocos operatórios, capazes de resolver eventuais problemas que podem ocorrer durante o parto. Temos de lutar para a descentralização do parto", solicitou Manuela Mendes.
Em 2019, a maternidade Lucrécia Paim realizou cerca de 28,9 mil partos, dos quais 9,6 foram cesarianas e 18,3 partos normais. Actualmente, o hospital conta com 30 médicos e mais de 300 enfermeiros. Para atender à demanda,a maternidade necessita 60 médicos e 150 enfermeiros.
Além do aumento de médicos e enfermeiros, Manuela Mendes quer que os seus funcionários tenham salários mais condignos. "Agora, temos um ambiente de trabalho condigno, queremos também bons salários".A maternidade melhorou a assistência medicamentosa aos pacientes . "Não temos registo de falhas de medicamentos. Foi um trabalho árduo do Executivo de elevar a assistência medicamentosa do nosso hospital".
A direcção do Lucrécia Paim quer voltar a assumir o seu verdadeiro papel, o de um Hospital Escola. "A Lucrécia Paim é um Hospital Escola. Todos os profissionais ligados à saúde materna são formados aqui. Então, não podemos ficar sujeitos a esta pressão assistencial que actualmente temos", queixa-se.
Além de doações que tem recebido de organizações nacionais e internacionais, a Lucrécia Paim firmou acordos com a Sociedade Portuguesa de Neonatologia e a Fundação Calouste Gulbenkian, para aformação de quadros nacionais em áreas como a de neonatologia.
Pacientes e acompanhantes
A maternidade Lucrécia Paim criou condições para as acompanhantes das mulheres que vão dar à luz ou realizar uma cirurgia de foro ginecológico. Em cada quarto, foi instalada uma poltrona para as acompanhantes acomodarem-se convenientemente, no sentido de ajudar nas necessidades do seu familiar (a paciente).
De acordo com a directora-geral, esta medida visa, por um lado, reduzir o foco de pessoas que pernoitavam à frente da maternidade, sem condições e,muito menos, segurança, e por outro, enquadra-se no processo de humanização da saúde, orientado pelo Executivo e pela OMS.
O hospital não garante alimentação às acompanhantes, mas o movimento de entrar e sair, com identificação apropriada, enquanto a paciente estiver sob cuidados da maternidade. Os pais também já podem assistir aos partos dos filhos. Para isso, o interessado deve escrever, com antecedência, para o hospital e manifestar o seu interesse. "Criamos as condições para que, no dia do parto, o pai assista ao nascimento do filho, pela via normal ou cesariana".
Por outro lado, o cenário de uma cama para duas mulheres já não é visível na Maternidade Lucrécia Paim. A direcção aumentou o número de leitos, de 600 para 800, transformando os anteriores gabinetes de médicos em quartos. Além disso, ao longo dos corredores dos sete andares foram colocadas camas, para que, em caso de lotação, as pacientes sejam acomodadas de maneira confortável e não no chão, como anteriormente. A direcção do hospital instalou também aparelhos de ar condicionado em todos os compartimentos. O sistema de abastecimento de água potável e de energia eléctrica funciona 24/24 horas. As pacientes podem usufruir agora de água quente e fria para a higienização pessoal. Foi igualmente reforçada a segurança das portas e janelas, de modo a impedir a tentativa de suicídio de mulheres que sofram de alguma perturbação mental.
"Em vez de gradearmos, fizemos uma redução na abertura da janela, evitando assim a passagem de pacientes", esclarece.
Há uma empresa que presta serviço diário de limpeza e desinfestação no edifício, para evitar insectos na instituição. "Tínhamos muitas queixas das pacientes de que havia mosquitos, baratas e ratos. Hoje, temos uma maternidade limpa, organizada, oferecendo segurança a qualquer mulher que aqui vem", explica a directora da maternidade Lucrécia Paim.
A nova gestão criou, também, políticas para desencorajar o comércio intra-hospitalar. Foram abertos alguns quiosques no recinto do hospital, onde os familiares das pacientes podem comprar, principalmente, fraldas, com maior segurança.
"O comércio dentro do hospital é proibido. Havia informações de que catalogadoras e o pessoal de limpeza vendiam fralda e outros bens dentro da unidade hospitalar", justifica Manuela Mendes.
Mais e melhores serviços
Além dos serviços de assistência médica na área de obstetrícia e ginecologia, a maternidade Lucrécia Paím dispõe de um bloco operatório, destinado a atender casos de fístula obstétrica. Em 2018, 180 mulheres foram operadas deste mal. A fístula obstétrica é uma ruptura no canal vaginal que causa incontinência e leva à exclusão social de milhares de mulheres. As suas principais causas são partos prolongados e obstruídos, especialmente em zonas onde é restrito o acesso aos cuidados obstétricos.
Um outro serviço de que Lucrécia Paím dispõe é o de Pediatria. São atendidas crianças que nascem na maternidade. Uma equipa de médicas pediátricas e enfermeiras faz o acompanhamento dos bebés com as respectivas vacinas até completar um ano. A maternidade inaugurou, também no ano passado, um Banco de Leite Humano, que tem a atenção de 25 especialistas, nomeadamente, enfermeiras, fisioterapeutas, informáticos, nutricionistas e vigilantes.
O Banco de Leite arrancou com 56 dadoras regulares e atende, numa primeira fase, os recém-nascidos cujas mães estão com dificuldade de produzir o leite ou tenham complicações decorrentes do parto. O leite doado é testado em laboratório com tecnologia brasileira. O produto é colocado em quarentena, por um período de 72 horas. Durante o processamento, é feito todo o controlo de qualidade até chegar à pasteurização. Já em conservação, o leite é armazenado em arcas e consumido até um período de seis meses.
A maternidade oferece também serviços de registo de nascimento. Logo após o nascimento do bebé, alguns pais dirigem-se à sala, para efectuar o registo dos filhos.
“Outros ainda mostram resistência, alegando que preferem deixar a criança crescer mais para certificar se é mesmo seu filho ou não”, conta a directora.
A Telemedicina também é outra novidade no hospital. É um recurso utilizando para a troca de informações médicas e análise de resultados de diferentes exames com outras unidades hospitalares de Luanda e do país, na resolução de casos complexos que a partir de um ecrã podem ser solucionados.
Menos mortalidade materna
A mortalidade materna no Lucrécia Paím registou uma redução de mais de 50 por cento e 30 por cento a neo-natal, afirmou a directora-geral, Manuela Mendes. Sem avançar números, a gestora disse que o Executivo tem investido "muito" na melhoria da assistência médico-medicamentosa nas maternidades, com vista a reduzir as elevadas taxas de mortalidade. A hipertensão (pré-eclampsia e eclampsia) continua a ser a principal causa de mortalidade materna.
"Há uma taxa muito elevada de hipertensão entre a população angolana. E isto afecta também as mulheres grávidas", explica.
Para a directora, é uma situação que pode ser prevenida, caso as mulheres façam com regularidade as consultas de obstetrícia e cumpram com os conselhos dados pelos profissionais.
"Quando vão às consultas, se o profissional notar que os níveis de pressão da gestante têm a tendência de aumentar, geralmente recomenda-lhe um novo estilo de vida, como, por exemplo, evitar comidas com muito sal, não ficar longas horas a trabalhar, repousar, diminuir o stress diário, bem como tomar os comprimidos receitados com regularidade."
Com esse controlo, afirma, devia registar-se a redução de mortes por hipertensão. “A realidade não é esta, porque as gestantes, principalmente as que possuem pouco nível de instrução, por causa de vários factores sociais e culturais, acabam por não observar a recomendação médica. No fim da gestação, chegam ao banco de urgência com níveis tensionais muito elevados e com convulsões, resultando em mortes na maioria dos casos,” sublinha a directora.
Outra causa de morte são as hemorragias pós-parto. Segundo Manuela Mendes, as pacientes não cumprem as regras alimentares durante a gravidez e nem tomam os suplementos que lhes são recomendados, provocando anemias durante a gestação.
"Muitas mulheres grávidas, principalmente na periferia, não têm o que comer. Essas preocupam-nos bastante, porque, durante o parto, perdem sangue e isso resulta em complicações que às vezes levam à morte".
A terceira causa de morte é a infecção decorrente dos abortos clandestinos. De acordo com a directora, as mulheres, principalmente jovens em idade de procriação, continuam a fazer abortos clandestinos e sem o mínimo de segurança.
"Quando chegam à maternidade, por causa das complicações que tiveram, apresentam níveis de infecções muito elevados. A solução primária tem sido a retirada do útero. Noutros casos, as mulheres acabam mesmo por falecer", alerta.
A malária é a quarta causa da mortalidade materna na maternidade Lucrécia Paim. Os indicadores de malária nas grávidas são altos, porque as mulheres grávidas vão procurar assistência hospitalar tardiamente.
"Estamos numa cidade com índices altos de malária; a mulher grávida deve prevenir-se, usando o mosquiteiro, repelentes, evitar acumular água em recipientes, principalmente, fora de casa", ensina a especialista.
A gravidez na adolescência é um outro grande problema. A médica obstetra disse que o organismo de uma adolescente não está preparado para suportar uma gravidez.
"Então, essas meninas dos 14 aos 17 anos chegam aqui com complicações sérias na gestação. Como resultado, muitas delas acabam mesmo por sucumbir, porque o organismo não aguentou", lamenta Manuela Mendes.
Planeamento/ Infertilidade
Adesão ao Programa de Planeamento Familiar, na Lucrécia Paim, ainda não atingiu os níveis desejados, segundo a directora da unidade. Em 2019, a maternidade registou sete mil consultas de planeamento familiar, enquanto em 2018 o número foi sete mil e quinhentos.
"As mulheres devem frequentar o Planeamento Familiar, para obterem mais informações que lhes permitam decidir o número de filhos que querem ter e quando os querem ter em condições mais seguras", disse.
A maternidade oferece gratuitamente vários métodos contraceptivos, nomeadamente, o anel vaginal, implante subcutâneo, injectáveis, pílulas e o DIU. Mesmo com essa gratuidade, refere, a adesão ainda é insignificante.
"Nós aconselhamos às mulheres que, pelo menos, engravidem de dois em dois ou de três em três anos, no sentido de se gerarem filhos mais saudáveis e terem partos mais seguros", aconselha
Enquanto isso, o aumento de casos de infertilidade conjugal começa a preocupar a direcção da Maternidade Lucrécia Paím. A infertilidade conjugal é definida como a ausência de gravidez, após 12 meses de relações sexuais regulares, sem uso de método anticoncepcional. De acordo com a gestora da maior maternidade do país, depois de um ano sem conseguir engravidar, o casal deve procurar assistência médica para uma avaliação adequada.
"Temos indicadores de casos cujo tratamento obtivemos resultados positivos. Os de maior complexidade aconselhamos os pacientes a procurarem por unidades hospitalares especializadas fora do país".
As causas da infertilidade variam de paciente para paciente, mas as infecções pélvicas, resultantes da promiscuidade sexual, figuram na lista da maternidade Lucrécia Paím como os principais motivos.
"O hospital regista muitos casos de infecções pélvicas que causam lesões às trompas, principalmente, em jovens com idade de procriação. Como consequência, há incapacidade de engravidar", esclarece Manuela Mendes.
Fonte: http://jornaldeangola.sapo.ao/reportagem/partos-realizados-com-maior-seguranca